sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entrevista com o professor Luciano Santos

Para o professor Luciano Santos a religião existe para responder as profundas inquietações do ser humano
Neste mês de outubro, o Jornal São Salvador publicou uma matéria sobre os dados que a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas publicou no último mês de agosto, sobre as religiões no Brasil. Tivemos a oportunidade de conversar com professor de filosofia Luciano Santos e com o bispo auxiliar de Salvador, Dom Gregório Paixão, osb. Como o espaço do jornal é limitado, vamos publicar na íntegra o resultado dessas conversas. Acompanhe!
1) De acordo com os dados da pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, intitulada “Novo Mapa das Religiões”, no Brasil 89% de sua população acredita que a religião é importante. Por outro lado, temos uma grande transição de pessoas entre as religiões e um número significativo dos que se declaram sem religião. Como interpretar essa realidade? Qual é o papel da religião na vida humana atualmente?
Creio que a importância atribuída à religião por uma parcela tão expressiva da população brasileira se deve, em primeiro lugar, a um dado histórico básico: a forte presença do elemento religioso nas matrizes culturais ameríndia, ibérica e africana que atuaram na formação do povo brasileiro. A religiosidade está, por assim dizer, em nosso “DNA” cultural; atua em nossos extratos anímicos mais profundos e é uma das mais poderosas fontes simbólicas de nosso imaginário. Acrescente-se a isto o fato de o Brasil ainda ser uma nação predominantemente agrária (tendência em franca reversão) e de haver entrado somente há pouco mais de um século na modernidade técnica-científica-urbana-industrial, com sua mentalidade republicana e secularista, que afirma a auto-suficiência da razão e advoga a supremacia dos valores laicos sobre os religiosos. 
No entanto, se a secularização ainda não se mostrou suficiente para arrancar as fundas raízes de nossa histórica religiosidade, ela já exerce uma influência poderosa em amplas camadas da sociedade, sobretudo nas classes mais abastadas dos grandes centros urbanos, o que parece explicar o número crescente dos que se declaram sem religião. Por vezes, para pessoas de certo poder aquisitivo, bem instruídas e de alta competência profissional, esclarecidas, críticas, que viajam pelo mundo e manejam os mais sofisticados aparatos tecnológicos, pode soar “primitivo” aderir a artigos de fé sem manifesto respaldo científico, provindos das profundezas de um Passado que já parece definitivamente ultrapassado.  Quanto à alta mobilidade entre as religiões registrada na pesquisa, um importante fator é a gradual e intensa perda de hegemonia social da Igreja Católica desde o século passado, que corresponde a um mais amplo processo de “descristianização” já em curso nos países desenvolvidos do Ocidente.  
Com esse refluxo da Cristandade tradicional, abre-se um significativo espaço no campo das crenças, ocupado nos anos 1980 pelo espiritismo e pelas manifestações do esoterismo New Age, especialmente entre jovens e adultos de classe média, e, também e cada vez mais, pelas igrejas neo-pentecostais, de crescimento avassalador nas camadas populares. Essa intensa migração entre as religiões é ainda favorecida por algumas características culturais da sociedade contemporânea (por alguns chamada de “pós-moderna”), a exemplo da “atomização social” e do individualismo, que hipertrofia o sujeito e o erige em centro da existência; e do consumismo, que reduz as coisas a objetos de satisfação desse sujeito isolado em si mesmo. 
Nesse contexto, nasce uma religiosidade self service e fast food, híbrida, mutante e “fluida”, feita “ao gosto” do indivíduo e de seus interesses momentâneos, e incapaz de mobilizar adesões profundas e compromissos a longo prazo. Por outro lado, como a religião existe para responder a uma incontida exigência de sentido do coração humano, a busca por formas autênticas de espiritualidade tende paradoxalmente a intensificar-se, hoje em dia, na mesma medida em que se desmascaram as formas descartáveis de religiosidade e as ilusões do consumismo, que confunde felicidade com bem-estar individual.  
Luciano Costa Santos é Professor Adjunto de Filosofia da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Professor Convidado da Pós-Graduação em Filosofia Contemporânea da Faculdade São Bento da Bahia (FSBB). Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio no Institut Catholique da Paris. É autor de “O Sujeito Encarnado – a Sensibilidade como Paradigma Ético em Emmanuel Levinas” (Ed. UNIJUÍ), entre outras obras. Email: lucostasantos1@gmail.com

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